A interpretação do que vemos no mundo exterior é uma tarefa muito complexa. Já se descobriram mais de 30 áreas diferentes no cérebro usadas para o processamento da visão. O nosso sistema visual e o nosso cérebro tornam as coisas mais simples do que aquilo que elas são na realidade. É essa simplificação, que nos permite uma apreensão mais rápida (ainda que imperfeita) da «realidade exterior», dando origem às ilusões de ópticas.
Num mundo em que nem tudo é necessariamente preto ou branco, aquelas pequenas coisas para as quais olhamos geralmente com um sentido crítico, apontando o dedo ou simplesmente renegando, começam já a fazer moça. Vivemos num mundo muitas vezes mal habituado, ou simplesmente inadaptado, que tem dificuldade em aceitar e apreciar aquilo que é conceptualmente diferente. E, nesse mundo onde também existe o cinzento, há lugar para as ilusões ópticas, que são, curiosamente, uma imperfeição humana.
Todos nós já observamos este fenómeno, directa ou indirectamente, é algo que nos impressiona e nos deixa a pensar por vagos momentos o porquê de tal ter acontecido. Quando nos deparamos com algo do género, simplesmente não conseguimos ficar indiferentes – ficamos excitados e muitas vezes incrédulos. É graças a esses sentimentos que ficamos com ainda mais vontade de ver outros mecanismos similares.
Os quadrados A e B são da mesma cor - É incrível como um facto tão pouco óbvio nos deixa tão estupefactos.
Echochrome é precisamente o resultado da união entre o já saturado mundo dos videojogos e o fabuloso mundo do ilusionismo. Colocando um valente ponto de interrogação sobre toda a sistemática à qual estamos habituados, echochrome é um jogo simplista que nos apresenta um estado de arte único e formidável. É aquele cinzento que faltava.
É incrível a quantidade de surpresas que podemos ter num jogo que surge, à partida, com uma mecânica tão simples. Aliás, cada nível é uma nova surpresa, é quase como fazer um exercício de matemática – é difícil e dá trabalho, mas no fim, se o sabermos fazer, da-nos uma sensação de conforto única. É essa sensação que, aqui, encontramos a cada esquina, seja num salto inesperado ou na união de plataformas, tudo acaba por vale o esforço. Não foi o nosso alter-ego que o fez, não foi o Drake, o MasterChief ou o Mario que conseguíram passar o nível, fomos nós que o fizemos – e isso sente-se.
Não existe o mínimo controlo sobre a personagem e, por estranho que pareça, nem mesmo sobre a plataforma de jogo. Só conta mesmo a visão - aquilo que controlamos é a forma como vemos a plataforma em si. É como se na vida real estivéssemos a observar um palito com o objectivo de ver um ponto. Tudo isto ao início é bem estranho, pois embora seja possível utilizar os dois analógicos, ambos fazem exactamente o mesmo, e poucas não serão as vezes em que a tendência vos levará a utilizar os dois analógicos, como se um estivesse a controlar a plataforma de jogo e o outro a camera. A jogabilidade é tão remodelada quanto revolucionária, acabando por ser um contratempo ao início. Esperem, portanto, uma curva de aprendizagem mais longa.
Os criadores conseguíram passar para o jogo a sensação transmitida pelas ilusões ópticas!
Echochrome é arte! Desde os menus, que primam por uma simplicidade extrema, até à idealização de certos níveis, que nos deixam boquiabertos. Existem um total de 50 níveis (os 50 da Playstation 3 são diferentes dos 50 da PSP), uns mais fáceis, outros mais difíceis e ainda há aqueles que parecem impossíveis. A nível de opções de jogo, é possível jogar em modo aleatório, que é uma espécie de jogo rápido, no qual o sistema escolhe aleatoriamente uma combinação entre os níveis presentes no jogo e os níveis criados pelos utilizadores. Cada vez que surge um nível criado é-nos apresentado também o nome do seu criador e, caso exista, o nome do nível.
À parte disso existe apenas o Atelier, onde constam todos os 50 níveis pré-definidos pelo jogo e, adicionalmente, aqueles que o próprio jogador criou. Ora o verdadeiro calcanhar de Aquiles em Echochrome acaba por ser a sua simplicidade. Simples demais. É despido de modos de jogo e opções. Aqueles que procuram um verdadeiro desafio vão ficar desiludidos pois nem existem leaderboards com as pontuações gerais. Ainda assim, as melhores pontuações feitas em cada consola num determinado nível, ficam gravadas, bem como a repetição em vídeo.
Não havendo grande variedade em modos de jogo, um ponto a favor acaba por ser claramente a opção de cada jogador criar os seus próprios níveis e lança-los na Internet. Desde já se pode antever um pouco da euforia que irá haver em torno de LittbleBigPlanet, pois isto de passar horas a criar níveis para que sejam posteriormente avaliados e utilizados pelos outros é algo, no mínimo, recompensador. Embora aqui as ferramentas disponibilizadas sejam em menor número, as possibilidades de criação são imensas e com o tempo, estão para aparecer por estas bandas obras de arte incríveis.
É também de realçar a quantidade de níveis criados por jogadores que nos são disponibilizados a cada vez que o jogo é iniciado. Alguns deles são incrivelmente bem trabalhados e idealizados, denotando um grande esforço por parte dos seus criadores. Contudo, existem níveis que parecem impossíveis de resolver e, nesses casos, seria bom poder ver a resolução do mesmo, algo que não é possível.
Ainda mais difícil do que parece!
Seria quase uma ofensa não deixar também aqui um forte aplauso à banda sonora do jogo. Foi vontade dos produtores introduzir música clássica "para não distrair o jogador" e "porque a música clássica é universal", palavras de Hideki Sakamoto - não poderíamos estar mais de acordo. Foram para isso utilizados dois violinos, uma viola e um violoncelo, que, sinceramente, fizeram trabalho magnifico.
Com uma apresentação irrepreensível, echochrome torna-se quase um jogo indispensável para os apreciadores de arte. É, no entanto, um alvo fácil para os mais curiosos, que podem, no entanto, não se enquadrar com o estilo de jogo ou as suas mecânicas. Não é um conceito simples, e quem se quiser apaixonar pelo jogo terá de se adaptar ao mesmo. A todos aqueles que tenham a oportunidade, não deixem de experimentar esta obra de Jun Fujiki, nem que seja a demo ou o ancestral OLE Coordinate System.
8/10